domingo, 23 de maio de 2010

Artigo - Demóstenes no O Popular

Faxina na política

A chamada Lei Ficha Limpa é o começo do processo de assepsia da atividade pública no Brasil. O ideal seria que o Congresso Nacional tivesse feito a reforma política. Como não houve interesse do governo federal, a matéria não teve andamento legislativo. Falha compensada pela iniciativa popular, que revigorou o tema e permitiu que fizéssemos uma norma que vai afastar das eleições os bandidos e dar lugar à pessoa de bem.

É preciso que se diga que o crime organizado infecciona amplos setores do Estado brasileiro. Em todos os Poderes há influência corruptora do delito, seja na fraude do processo licitatório, na aquisição de decisões judiciais ou na formação de bancadas dos fora-da-lei nas diversas instâncias do Legislativo. Naturalmente que a contaminação é mais visível no ambiente parlamentar por ser um segmento exposto à opinião pública e ao trabalho da imprensa.

Outra determinante é o fato de os criminosos buscarem abrigo no privilégio de foro conferido pelo mandato eletivo como meio de formalizar a impunidade, o que também deve acabar com as novas ferramentas que foram dadas ao Judiciário para acelerar o processo, como a convocação de juízes para instruí-lo e não somente o ministro-relator.

O crime organizado desde a década de 1980 ganhou pujança econômica por conta da ampliação do mercado de entorpecentes. Os bandidos perceberam que para proteger o lucrativo negócio precisavam exercer influência política. Mais e mais criminosos decidiram investir no mandato eletivo ou financiar prepostos. Hoje temos com assento no Parlamento representantes do tráfico de drogas, do contrabando, do crime ambiental e principalmente do sofisticado delito do colarinho branco, embora não se possa fazer uma generalização.

Já as campanhas eleitorais no Brasil são oportunidade formidável à operação em larga escala da lavagem de dinheiro por intermédio do caixa dois. A Lei Ficha Limpa fulmina totalmente essas condutas e presta expressivo serviço à moralidade pública ao excluir do processo quem vier a ser condenado por crimes graves em instância colegiada. A norma alcança também aqueles que já tenham sido condenados anteriormente à vigência dessa lei e que tenham recorrido para instância superior, conforme determinação expressa (sic) no artigo 3º do projeto aprovado.

No mesmo sentido, o diploma legal estende o prazo de inelegibilidade do condenado para oito anos após o término do mandato, também com o fim de inviabilizar o retorno à vida pública de quem se dedica ao crime e à improbidade. Tem havido um esperneio injustificado de alguns deputados federais sobre um certo “golpe semântico” no texto aprovado. O que fizemos no Senado foi uma emenda de redação para compatibilizar todas as alíneas do projeto que em quatro casos apareciam com a expressão “os que forem condenados”; em outros quatros casos com a expressão “os que tenham sido condenados” e em um último caso somente com a palavra “condenados”.

Para que a nova lei não saísse do Congresso Nacional com um texto esquizofrênico foi preciso optar por apenas uma das expressões. E por que se escolheu a expressão “os que forem condenados” e não “os que tenham sido condenados”? Primeiro porque a Lei Complementar no 64/90 já consagra essa expressão. Segundo, e mais importante, porque o mencionado parágrafo 3º diz textualmente que os recursos em tramitação devem ser apanhados pela nova lei. Todos sabem que quem recorre é o condenado e não o absolvido. A única hipótese em que a discussão se aprofundará é se nos casos já julgados definitivamente (sic) com condenação cumprida no passado, aplica-se a presente lei.

Explico, a Constituição Brasileira, como na esmagadora maioria dos países civilizados, prevê que a nova lei não poderá afetar a coisa julgada, ou seja, aqueles processos que não caibam mais recursos e por isso terminaram. Acontece que o Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, ora tem interpretado que no caso de inelegibilidade por não se tratar de pena e sim de critério, a nova lei pode apanhar inclusive os casos julgados definitivamente no passado. Por outro lado entende que a coisa julgada, qualquer que seja a situação, não poderá ser atingida. O Supremo com sua nova composição sedimentará definitivamente qual o caminho a seguir.

A Lei Ficha Limpa é o começo do cerco que devemos fazer para desinfeccionar o País. Ótimo que seja pela política. Comemoremos!

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)

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