domingo, 17 de abril de 2011

Artigo: Demóstenes no jornal Tribuna do Planalto


O ferrorama governamental

O mal não está no fato de cometer erros, mas na forma como o estadista lida com eles. O governo federal mais uma vez posou de dono do Senado e conseguiu outra aprovação absurda: o financiamento de R$ 20 bilhões para a construção de um trem-bala ligando Campinas (SP) ao Rio de Janeiro. Um luxo digno do país de poesia das campanhas publicitárias – um desperdício imensurável para o Brasil real. Para dar ideia da falta de estabelecer prioridades, com esse dinheiro se implanta a escola em tempo integral no País inteiro.

Ninguém nega que sejam necessários investimentos pesados na infraestrutura. O que está em questão vai além. Prioridades não são determinadas pelo efeito estético ou midiático da obra, mas pelo choque que o benefício vai proporcionar na qualidade de vida da população. O valor destinado à construção do ferrorama oficial mostra apenas que a presidente Dilma Rousseff tem passado mais tempo percorrendo o globo do que conhecendo o Brasil por trás das rodas de capoeira e do maracatu das cerimônias governamentais.

A suntuosidade da obra é uma afronta ao descaso dispensado ao setor nos últimos anos. Os bilhões que o governo sonha para o trem-bala (sem garantias de pagamento) seriam mais do que o suficiente para construir duas usinas de Belo Monte – outro presente oficial do governo para investidores companheiros. É um volume superior aos investidos pelo poder público e pela iniciativa privada em ferrovias desde 1999.

As comparações são suficientes para comprovar o erro monumental que é construir o trem-bala, mas, ainda que não fossem, basta acrescentar que o principal gargalo do transporte brasileiro não está entre São Paulo e o Rio. A cada real investido no nababesco, perde o produtor rural, que vê parte do lucro ficar pelas estradas enquanto não se concluem sequer os trechos mais antigos da Ferrovia Norte-Sul, esta sim capaz de distribuir riquezas. O superávit da balança comercial presenteado pela agropecuária ajuda o comissariado a recuperar a política ditatorial do Brasil grande e os arrecadadores não se lembram disso quando observam o número de acidentes e os estragos nas BRs.

Trem-bala toma as raias de uma piada de mau gosto quando, na mesma semana em que a mão do Executivo novamente extrapola seus limites, a imprensa divulga que nove aeroportos não ficarão prontos para a Copa do Mundo de 2014. A balbúrdia anunciada provoca o protocolar sorriso amarelo dos burocratas de Brasília e também a decepção de turistas do mundo todo que, em vez de conhecer as maravilhas nacionais, terão acesso sobretudo à maravilhosa vista das filas nos saguões dos nossos chiqueiroportos.

Não são apenas erros de prioridades. Se o governo mostra que não tem palavra ao descumprir os compromissos assumidos com a Fifa em relação à Copa do Mundo, comprova que não teme passar por cima de qualquer obstáculo para ter seus desejos atendidos. A medida provisória com os recursos extraorçamentários só poderia ser editada para casos de calamidade pública ou guerras. Qual calamidade afeta o Brasil, além da desfaçatez? Qual guerra será encadeada ou solucionada pela construção do trem-bala? Só se for a de nervos.

Dilma está cometendo um erro administrativo do tamanho da obra faraônica e o pior: dá o tom dos investimentos públicos nos próximos 20 anos. Tudo indica que a vontade imperial vale mais do que as necessidades do País.

Demóstenes é procurador geral de Justiça e Senador

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